terça-feira, novembro 01, 2005




Alice.
Uma obra-prima. Uma prima obra-prima, o que a faz ainda mais especial. Não me apetece falar do filme com os lugares-comuns dos críticos perante um objecto desta grandeza. Não li as críticas antes para ir “limpa”. Ainda bem! Mas é, de facto, um grande filme, feito com grandes actores. Um Nuno Lopes irrepreensível. Uma Beatriz Batarda também. (Digo também porque o filme é do olhar do Nuno Lopes, do corpo dele, que materializa a saudade, o medo, a culpa, a raiva, tudo junto, quase em silêncio, num olhar de despeito sobre a cidade que lhe rouba todos os dias a vida a que, todos os dias, não regressa.)
Este filme não é a cores. Não é a preto e branco. É a cor de chuva, cor de noite, cor de saudade. Chove dentro do filme o tempo quase todo. Às vezes a chuva está lá, ouve-se e molha as personagens. Outras vezes a chuva fica em nós. Ficou em mim o tempo todo.
Não sei nada sobre o menino que escreveu e realizou este filme. Mas há-de ser um menino lindo. Perguntava-me quantos livros é preciso ler, quantos filmes é preciso ver, para fazer um filme assim. Para filmar a ausência. Ou, mais difícil e comovedor, a presença do que não está, nem vai estar. Filma o vazio. E Lisboa com ele. Esvazia Lisboa de sentidos, cheia de pessoas, sim, sem sentidos. Fiquei dentro do filme muitas horas depois de sair da sala. E Lisboa nunca mais será a mesma ao meu olhar. E isto é que é de uma grandeza esmagadora. Como a banda sonora, do Bernardo Sasseti, que se bate, a todo o instante, com a ausência e o vazio. Tão grande quanto o corpo do Nuno Lopes. E o génio do Marco Martins. Para chamar os nomes todos.
Alice.

3 comentários:

Amélia disse...
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Amélia disse...

Bem-vinda à blogosfera, Carla!Um beijo

08:35

Anónimo disse...

Estar "em pousio" de cinema tem, por vezes, as suas vantagens. Ignoro há muito os lugares comuns dos críticos, mas nunca gostei deles.Mas gosto de uma boa crítica.
Não vou poetizar o meu comentário, já o fizeste no teu, antecedeste-me e evito repetições.

Apenas grito a ausência que este filme revela tão urgentemente! Não é verdade que somos nós que criamos os nossos medos e só nós os podemos superar, como afirmei em tempos, a realidade, por detrás desta ficção parcial, esmaga-nos como se de mosquitos se tratasse. Mas as picadas vão longe no olhar de procura desesperada, no meio de câmaras que filmam tudo, excepto o que não está mais visível.E a cidade acolhedora é "condenável", como seria o sol que cegou "o Estrangeiro". Lembras-te das palavras "A culpa não é de ninguém?", eu sim.
O génio explica-se? Expressa-se em que língua? Não é nos livros que lemos nem nos filmes que conseguimos ver que encontramos soluções e receitas mágicas, é no silêncio (nosso, do mundo) em que e com que interagimos que criamos, mesmo quando esse silêncio é insurdecedor, ou simplesmente dor/amor.