terça-feira, novembro 22, 2005

A Mestra

À pergunta “que queres ser quando fores grande?” sempre respondi o mesmo. Tirando os devaneios artísticos, acho que nunca quis ser outra coisa. Quando for grande quero ser professora.
Encontrei-a muito cedo. Ainda no tempo em que nos antecipamos adultos à semelhança de alguém. E então, eu aluna, ela professora, pensava quando for grande quero ser como ela. E assim fui crescendo, com esta escolha. E com a alegria de a ir tendo por perto.
Dentro das salas de aula aprendi com ela tantas coisas importantes – aprendi com ela a aprender coisas importantes. Como amar a poesia e alguns poetas. Os poetas da minha vida chegaram com ela. Fora das salas de aula aprendi com ela muitíssimas coisas importantes – e mais poetas.
Li-a muito. Ouvi-a muito. Gostei tanto dela sempre.
E contente, todos os dias senti a sorte de me ter cruzado com a melhor professora do mundo.
No último dia de aulas do último ano em que estive na nossa escola chorei tanto! Nunca lho disse. Chorei horas pela tristeza de a estar a perder. Pela tristeza de deixar de me cruzar com ela naquelas salas, naqueles corredores. Claro que a não perdi e ganhei muitos outros sentidos para a nossa relação. Claro que linda como ela é foi ficando sempre por perto e me deixou sempre continuar a aprender a aprender com ela. (Mas naquela idade em que tudo vai mudar não se vê isto e o medo das mudanças confunde-se com o medo da perda...)
Ela chegava sempre contente à aula. Cumprimentava-me contente nos corredores. Partilhava contente os textos. Fez-me sempre perguntas difíceis.
Precisei sempre de a ter por perto – pelos livros, pelas dúvidas, pelas tardes de Sábado em que eu, contente, lhe contava da minha vida de aprender a ser professora. Pelos filmes. Pelas canções. Por tudo o que ela me foi ensinando a aprender. Pelas perguntas difíceis e pelos sorrisos. Pela sua forma de me indisciplinar a alma. Por me manter alerta ao espanto de existir. Por continuar a ser a melhor professora do mundo.
Ontem, a Professora Amélia Pais, esteve no programa “Prós e Contras”. A dizer-nos, entre muitas outras coisas, que um professor só pode ser um “indisciplinador de almas” lembrando Pessoa. A dizer que um professor deve trabalhar contente. A dizer que esta é a profissão mais linda do mundo. Eu acredito nisto.
Não sei que professora sou nem o que faço às almas com que me vou cruzando. Mas sei que não seria nunca uma professora tão contente de o ser se não me tivesse cruzado com a melhor professora do mundo!
Obrigada Amélia Pais! A minha Mestra! Para sempre!

7 comentários:

Anónimo disse...

Pelo que leio ela também é a professora mais sortuda do mundo:)
A.

Anónimo disse...

Realmente não sei muito bem o que dizer(escrever)...Estou mesmo atónita...Quase que arriscaria a dizer "em choque"...A sensação de nos "ver-mos ao espelho" é mesmo muito estranha...Ler uma descrição de sentimentos muito familiar...A minha resposta à pergunta "O que queres ser quando fores grande?" não é definitivamente ser professora, mas conseguir absorver ensinamentos, conhecimentos.Não digo "quero ser como ela", mas digo:quero aprender mais do que já aprendi com ela."Dentro das salas de aula aprendi com ela tantas coisas importantes – aprendi com ela a aprender coisas importantes. Como amar a poesia e alguns poetas. Os poetas da minha vida chegaram com ela. Fora das salas de aula aprendi com ela muitíssimas coisas importantes – e mais poetas.
Li-a muito. Ouvi-a muito. Gostei tanto dela sempre.
E contente, todos os dias senti a sorte de me ter cruzado com a melhor professora do mundo." Consigo concordar com cada palavra do texto, porque é exactamente o que sinto.Ela foi e é uma das minhas melhores professoras, porque com ela não só aprendi matérias de programa, como também muita coisa da vida, e o quanto ela me ajudou em momentos de fraqueza.
Não sei como será "o último dia de aulas do último ano" em que vou estar na escola, mas tenho a certeza que não será muito diferente do que está no texto.
Ela é alguém que eu admiro muito, que é uma pessoa como nunca conheci, com uma tolerância enorme, com uma coragem invejável, mas com um coração e com uma amizade inigualáveis.
Ela conseguiu fazer com que eu ganhasse coragem para enfrentar os meus medos, para combater a minha insegurança, e contribuíu para eu me tornar uma pessoa melhor!
Ela é uma das poucas pessoas que eu me vou sentir lisongeada e eternamente grata por ter conhecido.
Agradeço-lhe do fundo do coração a paciência, a amizade, ter-me escutado, ter-me ajudado, ter-me dado a mão quando precisei de me levantar, ter confiado em mim...
Mas acima de tudo, por ser a pessoa maravilhosa que é!
Obrigada!Sê feliz!

Anónimo disse...
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Amélia disse...

Por mim...fiquei emocionada.São testemunhos assim que dão sentido à nossa vida.Obrigada, Carla - que também participa, para além dos afectos, do meu livro sobre Fernando Pessoa.
Beijo grande, minha amiga.Tu orás fazer melhor do que eu fiz, estou certa e confiante.

soledade disse...

Outros, que não foram seus alunos, foram-no de outra forma: era já adulta, já professora, quando conheci a Amélia. Já vinha aprendendo com ela através dos seus livros (num dos quais sei que a Carla teve importância decisiviva). E continuo a aprender. Bom professor, como ela costuma dizer, nunca deixa de o ser. E não morre nunca, como aqui se evidencia.
Um abraço, Carla

Anónimo disse...

Fiquei por aqui tanto tempo depois de ler o seu texto a tentar reagrupar as memórias (os vidrinhos, como gosto de lhes chamar)que andam dentro de mim de duas ou três Professoras que me ajudaram na minha construção , que me obrigaram a enfrentar as minhas cobardias, medos e desassossegos da adolescente que era mas o que isso me deu, não de certezas, mas de chaves para poder sobreviver foi precioso. Estou muito contente por ter chegado aqui e ter lido este testemunho (tenho que agradecer a quem de direito Soledade :))que sempre há luz no nosso dia... Tem sorte, Carla, sem dúvida !
ana assunção

Silvia Chueire disse...

É bom ler-se um testemunho que aborda justamente a essência do ofício de ensinar, como se você o encarnasse. Parabéns Amélia !
A Carla, se me permite tratá-la assim, só pelo modo como diz desta essência, nos diz do seu exercício da profissão. Ah, felizes de nós alunos que tivemos a oportunidade de passar por estes mestres.


Silvia Chueire