sexta-feira, novembro 04, 2005

A minha melhor amiga (sim, há quem ainda fale assim!) respondeu-me, por mail, à provocação sobre o "bicho da escrita". Como gostei muito do texto que ela me deu, aqui fica.
"Leitor imune ao vício da escrita eleitor não imune ao vício da escrita eis o que digo:

Do alto do telhado de onde desci está um gato. Ele contorce-se, mexe-se e sonha de olhos abertos. Costumo partilhar com ele a minha vida. Fui até ao telhado pois ele fugiu pela porta principal.
Usou as suas quatro patas, deixou arranhadelas escritas na porta de madeira. Leram-mas. (Com a emoção eu não via nada.) Dizem que descobriu que sentia intensamente o mundo, inspirou-o profundamente, durante anos. Dizem ainda que aprendeu a fazer amor sofregamente, que já não se sente atabalhoado nem mal-asado, sabe voar graças à andorinha do livro! É um gato fantástico!
Ainda regressa a casa, mas dorme pouco, não tem tempo.
Consta na vizinhança que decidiu viver longe, para sempre, esqueci-me de te dizer, a vizinhança é surda.
O raio do gato acenou-me quando me viu afastar, pareceu-me gesto de despedida. E eu que deixei de fazê-las, choro muito nas despedidas, a ausência mata-me. Por isso sussurrei-lhe... enquanto ele estava de olhos fechados. Não sei se me ouviu ler ou somente viu passar um outro gato, branco, tal e qual a página de uma sebenta nova.
Fiquei também na dúvida se seria um gato branco ou se seria a espuma do mar bravio que me descreveram.
Estão gatos no teu telhado a cumprimentar-se silenciosamente...
Quanto ao gato do alto do telhado de onde desci, ele anda arredio da escrita.
O que vou eu fazer com esse gato, se ele não arranhar mais à minha porta?"

A.

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